- Author, Ewerthon Tobace
- Role, De Tóquio para a BBC Brasil
Uma recente onda de casos de xenofobia tem causado grande preocupação no Japão e levou a ONU a pedir que o governo do primeiro-ministro Shinzo Abe tomasse medidas concretas para lidar com o problema.
As principais vítimas nesse incidentes têm sido comunidades estrangeiras como a de coreanos e chineses, além de outras minorias chamadas de “inimigas do Japão”.
Um exemplo dos abusos é um vídeo que se tornou viral e circula pelas redes sociais. Mostra um grupo de homens da extrema-direita com megafones em frente a uma escola sul-coreana em Osaka.
Eles insultam os alunos e professores com palavrões, fazem piadas com a cultura do país vizinho e ameaçam de morte os que se atreverem a sair do prédio.
Um relatório do Comitê de Direitos Humanos da ONU encaminhado ao governo japonês, destaca a reação passiva dos policiais em manifestações deste tipo.
As autoridades têm sido criticadas por apenas observarem, sem tomarem nenhuma atitude efetiva para conter os abusos.
No final de agosto, o Comitê das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial solicitou que o país “abordasse com firmeza as manifestações de ódio e racismo, bem como a incitação à violência racial e ódio durante manifestações públicas”.
Desde 2013, o Japão registrou mais de 360 casos de manifestações e discursos racistas.
A questão ganhou os holofotes da mídia e está sendo amplamente debatida pelo partido governista, o Liberal Democrático.
Um caso que está sendo visto como teste para a Justiça japonesa nesta área é a ação movida, no mês passado, por uma jornalista sul-coreana, Lee Sinhae, contra Makoto Sakurai, presidente do grupo de extrema-direita Zaitokukai, por danos morais.
Ela quer uma indenização depois de ser “humilhada” por textos discriminatórios na internet.
“O que me preocupa é que muitos destes discursos estão deixando o anonimato da internet e já chegaram às ruas”, disse Lee em uma coletiva de imprensa.
A jornalista alertou que várias crianças estão tendo contato com este tipo de pensamento e replicam no ambiente escolar, gerando casos de bullying.
Lei
No Japão, não há uma lei que proíba discursos difamatórios ou ofensivos. Para os opositores, banir os discursos de ódio pode acabar interferindo no direito das pessoas à liberdade de expressão.
Mas o país é signatário da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, que entrou em vigor em 1969, e que reconhece expressões discriminatórias como crime.
Pela Convenção, os países seriam obrigados a rejeitar todas as formas de propaganda destinadas a justificar ou promover o ódio racial e a discriminação e tomar ações legais contra eles.
Segundo as Nações Unidas, o governo japonês ainda tem muito para fazer nesta área. O comitê da ONU insistiu para que o Japão implemente urgentemente “medidas adequadas para rever a sua legislação”, em particular o seu código penal, para regular o discurso de ódio.
Exclusão dos estrangeiros
Para o escritor, ativista e pesquisador norte-americano naturalizado japonês Arudou Debito, “(essas atitudes discriminatórias) têm se tornado cada vez mais evidentes, organizadas e consideradas ‘normais'”.
Debito coleciona, desde 1999, fotos de placas de lojas, bares, restaurantes, karaokês, muitas delas enviadas por leitores de todo o Japão, com frases em inglês – e até em português – proibindo a entrada de estrangeiros.
A coletânea virou livro, intitulado Somente japoneses: o caso das termas de Otaru e discriminação racial no Japão.
Debito se diz ainda preocupado que, com a divulgação cada vez maior dos pensamentos da extrema-direita, a causa ganhe cada vez mais “fãs”.
“No Japão ainda há a crença de que é pouco provável haver o extremismo em uma ‘sociedade tão pacífica'”, explicou.
“Eu não acredito que seja tão simples assim. Ignorar os problemas de ódio, intolerância e exclusivismo para com as minorias esperando que eles simplesmente desapareçam é um pensamento positivo demais e historicamente perigoso.”
Brasileiros
A comunidade brasileira no Japão também é alvo constante de atitudes discriminatórias. Quarto maior grupo entre os estrangeiros que vivem no país, os brasileiros estão constantemente reclamando de abusos gerados por discriminação racial e o tema é sempre levantado em discussões com autoridades locais.
O brasileiro Ricardo Yasunori Miyata, 37, é um dos que foi à Justiça depois que o irmão foi confundido com um ladrão em um supermercado de uma grande rede, na cidade de Hamamatsu, província de Shizuoka.
“O problema foi a abordagem. O segurança chegou gritando, como se ele fosse bandido e, mesmo depois de provado que tudo não passou de um engano, ele (o segurança) justificou que faz parte da índole do brasileiro roubar e que não poderíamos reclamar pois deveríamos estar acostumado com este tipo de coisa”, contou o rapaz, ainda indignado.
O caso aconteceu há quatro anos, mas até hoje Ricardo divulga a história para que outros não passem pelo mesmo constrangimento pelo qual ele e a família passaram.
“Acionamos a polícia, fizemos a reclamação na matriz da rede, procuramos um advogado e, por semanas, os gerentes do supermercado tentaram nos convencer a não entrar com processo”, lembra.
Depois de três meses, foi feito um acordo. “A rede trocou a empresa que faz a segurança local, pagou todas as despesas com advogados e exigimos ainda que os gerentes pedissem desculpas em público”, contou Ricardo.
Há 20 anos morando no Japão, o brasileiro lembra que antigamente a situação era bem pior. “Quando entrava brasileiro em supermercados, por exemplo, geralmente tocavam uma música brasileira. Era um sinal para avisar os funcionários de que havia estrangeiro na loja”, contou.
Ricardo já foi barrado em bares e também sofreu todo tipo agressão verbal. “Esse tipo de discriminação existe, é visível e constante. Enquanto as autoridades e a própria mídia não tomarem uma posição, esses abusos vão continuar acontecendo”, destacou.
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